Força G

maça

Ando pelas ruas de Novo Hamburgo como quem anda pela superfície da Lua. Todo o cuidado é pouco nessa coleção de buracos e irregularidades que já me deram mais de um dissabor. Por exemplo, teve aquela vez em que caí e rasguei a calça no joelho, e tive de andar por aí como se fosse adepta dos jeans fashion do último grito. E toda vez que saio de carro, lembro de Mark Watney, em Marte. Tem ruas que parecem ter sido vítimas de alguma coisa bélica,  tal a profundidade, irregularidade e visível gana do buraco em esfarrapar os pneus. Vou te contar, dirigir em Novo Hamburgo, é como dirigir em um campo minado, onde além de desviar-se dos pedestres mal-educados – sobretudo aqueles que ainda não aprenderam para que serve uma sinaleira de pedestre, acessório urbano de pouca função por aqui, uma vez que os destinatários do sinal não tomam a menor conhecimento de sua existência –, e dos motoristas enlouquecidos – todos os motoristas são doidos, de acordo com um médico amigo meu, categoria na qual eu me incluo, obviamente –, ainda precisamos escolher qual cratera parece menos ameaçadora aos nossos amortecedores. Mas isso é papo de quem tem carro e quem não tem costuma torcer o nariz para nós, condutores do infortúnio e do carbono, gente que deveria estar mais interessada em andar de bicicleta, a despeito dos pedestres, dos motoristas e dos buracos, que não por se tratar de duas rodas movidas à tração humana serão menos mal-educados, enlouquecidos ou famintos. E a despeito dos joelhos que doem, porque isso, é claro, nunca se fala (uma coisa é pedalar em uma cidade plana como Amsterdam, convenhamos, e outra andar pelo sobe e desce de Novo Hamburgo, mas nem todo mundo pensa na Força da Gravidade).

O caso é que não são apenas os 350 quilômetros de ruas que pedem socorro na Capital Nacional do Calçado, segundo dado apurado pelo Jornal NH desta segunda-feira. As calçadas também estão pela hora do assombro. Minha mãe é prova viva – viva: ainda bem! – do que um buraco pode fazer. Saio de casa para um evento em Passo Fundo e quando volto, dois dias depois, a encontro como se tivesse levado um soco no rosto. Pensei imediatamente em assalto mas não, ela logo me “tranquilizou”, não foi um assalto. Ela caiu, em plena calçada, estatelada, depois de enfiar o pé em um buraco. Acho que melhor teria sido enfiar o pé na jaca. Levou duas semanas para que seu rosto voltasse ao normal. E, graças a Deus, foi só isso.

O problema é bem esse: nos contentamos com o “foi só isso”. “Só isso” não vale o incômodo de buscar os direitos junto ao proprietário da calçada, irresponsável como a maioria dos proprietários hamburguenses, que não dão a mínima para os pedestres. Se a loja é visível, se o prédio é elegante, se a casa é bonita, o portão forte e a segurança funciona, se o muro ainda está de pé, embora ameaçadoramente torto, o resto é o resto. E o resto pode ser justamente o buraco na calçada, a laje que oscila como uma gangorra, a pedra solta, o pedaço de tábua que serve de passagem. Superfícies que ameaçam o equilíbrio, que fazem escorregar, que nos levam a comprovar com o nariz as agruras da Lei de Newton.

É bem justo que os moradores de Novo Hamburgo reclamem de suas vias esburacadas. Mas está na hora de a prefeitura defender os direitos dos cidadãos, cobrando dos proprietários de imoveis vias mais firmes, seguras e limpas, que nos façam ter vontade de deixar o carro na garagem, e sair para uma caminhada, usando com alegria e orgulho o principal produto da cidade. Temos o direito de andar por aí, sem ter de, além de ter de se manter alerta para não ser assaltado ou atropelado, também tenhamos de manter um radar ligado onde colocamos os nossos pés – não que descubramos, sem querer, um caminho inesperado para o Centro da Terra e encontremos Jules Verne terminando algum romance na grota abandonada de Arne Saknussemm. Já pensou, aparecer sem mais nem menos na Itália, em pleno Stromboli, sem passaporte carimbado pela Alfândega, coisa e tal?

Novo Hamburgo já foi mais charmosa, mas ainda merece ser vista. Calçada não é ponto turístico para a gente andar de olho nela, a menos que saibamos ler a escrita da pedra que nos conta a história do planeta. O céu, do outro lado, é muito mais bonito. Tem nuvem, por de sol, lua cheia e, se calhar, vê-se até alguma estrela. Uma de verdade, não o espoucar colorido de quem perdeu o rumo e encontrou, sem querer, o solo com o nariz.

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